Já experimentou andar no céu? Lá há algumas nuvens que, quando vistas de perto, tem um gosto seco, como se nelas não houvesse água.
Essas nuvens são o mundo a parte, no qual é preciso ter outro tipo de pés para andar. No fundo o céu já é outro mundo. Nele, a ilogicidade do que é terreno já não faz mais sentido. É tudo algodão.
E aí ora ou outra as nuvens sofrem também porque são esburacadas, como as ruas. Você pode caminhar e de repente ver um mundo que está caindo. Quando este mundo cai, as pessoas se vão também. E aí o céu não se aguenta em águas d´chuva - e acaba se vendo obrigado a pingar sangue. Um sangue quente, que em meio ao ar gélido sofre uma convulsão da alma.
A cor dele ninguém vê. É de um vermelho rubro, meio adocicado, que quando desce fica amargo. A tonalidade é dessas conhecidas, igual à da capa da joaninha. A capa natural mesmo.
A joaninha faz de sua capa asas - e enfeite também. É meio parecido com o que o céu faz das nuvens. Da branquidão inexplicável, o céu as transforma em adereço do olhar. E aí lá em cima tudo vira enfeite, menos o sangue que estava caindo.
Do outro lado do céu, na vida da terra, uma menina viu o sangue pingar em seus olhos. Isso foi no mesmo momento em que ela se esclarecia com as nuvens. Por um instante sentia uma imensidão sem nome, uma calma exagerada e repentina, espécie de graça de quem joga flores. Aí não teve jeito, nem o chão do céu segurou o avião, que levou a garota embora no único instante em que ela conversava com Deus.
Tudo ia bem, ela não teve medo de errar. Por isso nem o sangue lhe pulsava além da vida. A vida, aliás, assim como toda mãe, não quer mais ensinar seus filhos a amar. Quer apenas ensinar a perder. Aí era como se já fosse antiga, fazia parte do ritual. Nem o Sol conseguiu segurá-la na perda.
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