Pular para o conteúdo principal

A outra Sagarana de João


A obra do mineiro João Guimarães Rosa (1908–67) traz, ainda nos dias de hoje, algo inovador na língua portuguesa. Ambientando-se em sua grande maioria no sertão brasileiro, seus contos e romances criam vocábulos – embasados em dialetos populares e regionais.
Arraigados no autor, Fernanda Bastos e Jefferson Brito transformam Guimarães Rosa e sua máxima Sagarana, num espetáculo extremamente atemporal, intitulado A Saga de João. A peça elucida de forma ímpar quatro contos existentes no livro de 1946: “A volta do marido pródigo”, “O Burrinho Pedrês”, “Conversa de bois” e “A hora e vez de Augusto Matraga”.
O nome da peça remete aos embates da vida – enfrentados por muitos Joões – em todo o sertão brasileiro, misturando o nome do autor à obra Sagarana. A adaptação mostra os obstáculos que cruzamos em busca da sobrevivência, ou mesmo do ‘final feliz’ que, assiduamente, não sai do imaginário.
Buscando trabalhar com jovens estudantes do ensino médio e universitário, a peça expõe fielmente os discursos de Sagarana. A preocupação dos atores é criar uma encenação divertida, que disponibilize ao público um espetáculo descontraído na linguagem e, complexo nas idéias.
O cenário é o mesmo para os quatro contos, ficando a cargo da criatividade e do improviso os sentimentos que são passados na obra. Expondo os textos em diferentes formas, a pequena trupe traz ao palco os contos como novela de rádio, entrevista com Guimarães Rosa – onde o próprio autor elucida seus contos – e até cantigas com um ar infantil.
Outro ponto importante é a interação com o público, já que os atores quebram a quarta parede que divide o palco e a platéia, para bailar entre os convidados. Além disto, um ilustre espectador é selecionado e ganha espaço para anunciar a mudança de um conto para outro – permitindo uma relação recíproca de entusiasmo.
A Saga de João tem vida própria, desfilando ao óculo do público um Guimarães Rosa humano, que transcende às palavras e renasce em movimentos no palco. Vale ser visto!


Informações:

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A corpolatria faz suas vítimas

Não raro os padrões de beleza – ou a falta destes – inquietam milhões de pessoas. Muitos homens e mulheres têm a pretensão de se enquadrarem ao que é esteticamente aceito e, focados nisto, acabam por escravizar seus hábitos mais simples em busca da perfeição. Comer menos, beber menos, dormir menos, viver menos; tudo em prol da pseudo-beleza. Mas não paramos por aí. Modificar determinados hábitos parece não saciar a histeria estética. Dados da Organização Mundial de Saúde apontam crescente aumento nos casos de bulimia e anorexia – sendo que 20% dos incidentes terminam em morte. Provocar o próprio vômito para evitar a nutrição, no caso do bulímico, ou manter-se numa fome contínua, no caso do anoréxico, não são mais problemas quando o objetivo é estar dentro do estereótipo do sublime. Esta busca incessante confunde as prioridade humanas e acaba sobrepondo valores morais e éticos. Óbvio, alguém lucra com isso. A milionária indústria da beleza alucina seus clientes com a premissa de que, ao

Sobre a falta

Clarice Lispector afirmou: “Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém, que o que mais queremos é tirar esta pessoa de nossos sonhos e abraçá-la…” Estranho? Possível. Mais possível ainda, e pior, é sofrer a dor da falta antes mesmo de vivenciá-la. Ouso afirmar, que só a sinto antes que aconteça. O quão somos dependentes uns dos outros. Justamente por ser o outro – o não-eu, o que na sua própria negação traz a minha afirmação, o que não possui e nunca irá possuir a potenciabilidade de tornar-se eu –, é que nos apaixonamos pelo desejo de sentir sua falta, mesmo ainda estando ao seu lado. Não nos momentos em que sonhamos com esse alguém, mas nos momentos em que o temos, esse sim é o momento da maior dor. Olhar ao lado e entender que aquilo está se findando, é alimentar o suplício. Melhor que não entender? Não sei... O pior é entender que há uma classificação implícita, que avalia a força deste sentimento. Pessoas por medida. É, pessoas que podemos ficar dias, meses, sécul

Palavra amor

"Não facilite com a palavra amor. Não a jogue no espaço, bolha de sabão. Não se inebrie com o seu engalanado som. Não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro). Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra. Não a pronuncie".