A miragem que o ar seco construira sobre o asfalto era o mais próximo da idéia de inferno que eu havia comprado. Tudo queimava. Sexta-feira, cinco da tarde, São Paulo derretia.
Desenhos de um fogo invisível sopravam do chão – como se um maçarico estivesse ligado – desconstruindo qualquer sentimento de término que se tem após mais uma semana paulistana (pelo menos para mim). Eu pregava por um sábado ameno.
Descendo o túnel que dá acesso ao Elevado Costa e Silva (nosso popular Minhocão), o mundo parou. Todos inertes – movimentavam-se com cautela. Ao meu redor sobrava um ou outro valente, enxugando o suor na testa e, no máximo, deferindo socos no próprio volante.
Meninos se espalhavam entre carros. Forneciam amendoins, limpeza nos vidros, cuspidas de labaredas e, o mais dessemelhante, trazia uma pequenez ímpar – acompanhado por um sorrido puro e estafado.
Uma vez vi em um filme que o trânsito é uma guerra de interesses. Você se torna a avenida ou rua por onde circula. Se meu logradouro é mais importante, você perdeu, o meu interesse é prioritário. Soa como uma troca recíproca, mas não justa, não há igualdade. Necessidades conflitantes que alimentam nosso ódio urbano.
Ao seu lado existe outro número igual a você. Ele também quer um atalho, um foco de respiração, algo vivo; que destrua a obrigação de estar ali.
Nosso oficial estava à frente. Trajado de calça marrom, camisa e o chapéu no mesmo tom de amarelo, ele ditava as regras, tão ou mais perdido quanto nós, somente em posição diferente. Duas armas na mão – caderneta e apito – algumas jogadas de braço e pronto, mais uma largada. Três silvos estridentes e um aceno de braço movimentaram as engrenagens. Mais uma parte do tumulto começou. Os ares eram outros.
O rebanho partiu, com uma gana única e sua pressa exacerbada. Eu os observava atônito, como se meu sorriso não coubesse no rosto – ele precisava escorrer aos olhos de quem me acompanhava.
Lutando para não seguir a linha tênue, eu esperava uma resposta de ódio, podia vê-los, sabia que dentro de cada fantoche existia uma circulação misturada ao caos.
Ali ocorria nossa convivência limitada, éramos os mesmos, seguíamos a mesma regra e, em contraponto, tínhamos nos tornado inimigos. Eu precisava estar à sua frente, angariar dez metros de distância para ser vencedor em algum quesito nesta cidade. Nítido desgosto. Seguíamos como robôs, lutando para estar num lugar que não sabemos onde fica, mas que com certeza, estará habitado por todos os mesmos símios na próxima segunda, felizes por viver, e novamente, não sabendo se ainda somos humanos.
Desiludido eu me questiono: será que vamos implodir tudo que nos oprime um dia? Não quero resposta, preciso ser iludido.
Desenhos de um fogo invisível sopravam do chão – como se um maçarico estivesse ligado – desconstruindo qualquer sentimento de término que se tem após mais uma semana paulistana (pelo menos para mim). Eu pregava por um sábado ameno.
Descendo o túnel que dá acesso ao Elevado Costa e Silva (nosso popular Minhocão), o mundo parou. Todos inertes – movimentavam-se com cautela. Ao meu redor sobrava um ou outro valente, enxugando o suor na testa e, no máximo, deferindo socos no próprio volante.
Meninos se espalhavam entre carros. Forneciam amendoins, limpeza nos vidros, cuspidas de labaredas e, o mais dessemelhante, trazia uma pequenez ímpar – acompanhado por um sorrido puro e estafado.
Uma vez vi em um filme que o trânsito é uma guerra de interesses. Você se torna a avenida ou rua por onde circula. Se meu logradouro é mais importante, você perdeu, o meu interesse é prioritário. Soa como uma troca recíproca, mas não justa, não há igualdade. Necessidades conflitantes que alimentam nosso ódio urbano.
Ao seu lado existe outro número igual a você. Ele também quer um atalho, um foco de respiração, algo vivo; que destrua a obrigação de estar ali.
Nosso oficial estava à frente. Trajado de calça marrom, camisa e o chapéu no mesmo tom de amarelo, ele ditava as regras, tão ou mais perdido quanto nós, somente em posição diferente. Duas armas na mão – caderneta e apito – algumas jogadas de braço e pronto, mais uma largada. Três silvos estridentes e um aceno de braço movimentaram as engrenagens. Mais uma parte do tumulto começou. Os ares eram outros.
O rebanho partiu, com uma gana única e sua pressa exacerbada. Eu os observava atônito, como se meu sorriso não coubesse no rosto – ele precisava escorrer aos olhos de quem me acompanhava.
Lutando para não seguir a linha tênue, eu esperava uma resposta de ódio, podia vê-los, sabia que dentro de cada fantoche existia uma circulação misturada ao caos.
Ali ocorria nossa convivência limitada, éramos os mesmos, seguíamos a mesma regra e, em contraponto, tínhamos nos tornado inimigos. Eu precisava estar à sua frente, angariar dez metros de distância para ser vencedor em algum quesito nesta cidade. Nítido desgosto. Seguíamos como robôs, lutando para estar num lugar que não sabemos onde fica, mas que com certeza, estará habitado por todos os mesmos símios na próxima segunda, felizes por viver, e novamente, não sabendo se ainda somos humanos.
Desiludido eu me questiono: será que vamos implodir tudo que nos oprime um dia? Não quero resposta, preciso ser iludido.
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