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Mostrando postagens de março, 2008

A outra Sagarana de João

A obra do mineiro João Guimarães Rosa (1908–67) traz, ainda nos dias de hoje, algo inovador na língua portuguesa. Ambientando-se em sua grande maioria no sertão brasileiro, seus contos e romances criam vocábulos – embasados em dialetos populares e regionais. Arraigados no autor, Fernanda Bastos e Jefferson Brito transformam Guimarães Rosa e sua máxima Sagarana , num espetáculo extremamente atemporal, intitulado A Saga de João . A peça elucida de forma ímpar quatro contos existentes no livro de 1946: “A volta do marido pródigo”, “O Burrinho Pedrês”, “Conversa de bois” e “A hora e vez de Augusto Matraga”. O nome da peça remete aos embates da vida – enfrentados por muitos Joões – em todo o sertão brasileiro, misturando o nome do autor à obra Sagarana. A adaptação mostra os obstáculos que cruzamos em busca da sobrevivência, ou mesmo do ‘final feliz’ que, assiduamente, não sai do imaginário. Buscando trabalhar com jovens estudantes do ensino médio e universitário, a peça expõe fielmente os

Desassosego

Entre literatos e decidas à rua Augusta, os desejos nunca haviam sido habitados por nós. No passado, sempre agíamos como se não estivéssemos ali, tratando-se com delicadeza, até com certa inocência fajuta. Dias iguais. Dias que se completavam com xícaras de café e conversas frívolas, escrevendo nas lápides da morte os nossos sentimentos. Apreensão, mãos-trêmulas, melancolia, angústia. Os abraços de despedida deixavam claro o retalho de uma utopia que estava para trocar de estágio. Sabíamos que seria apenas um dia e o nunca mais, mas não nos importávamos, o abraço do medo era só mais um no currículo. O ainda não se esfacelava como grãos entre os dedos, quebrando o controle. Viver carregava consigo esta rebeldia, na maior parte das vezes chamada de não humana. Criando absurdos para controlá-la e, mesmo naturalizando o absurdo, o humano acordava – às vezes. Na sua maior parte nos contentamos com o não há tempo, não há meios, não há condições, não há razão, e não vivemos. Cadáveres ambulan

Eterno retorno

E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!" Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que responderias: "Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: "